5 de setembro de 2024

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Aos portadores de olhos melancólicos e perdidos

Eme identifico nos teus olhos, na tua busca incessante por algum ponto fixo que te traga um pouco de paz e esperança. Eu me identifico no teu andar que, embora pareça leve e despreocupado, deixa descoberto, somente àqueles que conseguem ler nas entrelinhas, o quão solitário é o teu caminhar.  

Eu entendo a tua busca e sei que, na verdade, ela nunca foi por perfeição ou por um ideal romântico exageradamente montado ao longo dos anos em que essa busca existiu. E sim, sei que ela existiu, por mais que negasses, utilizando para isso as mais diferentes distrações e interrupções naquilo que talvez tivesse sido o ciclo natural da vida.

Eu sei que o teu sorriso é sincero quando observas a felicidade e a segurança daqueles casais de mãos dadas naquele belíssimo gramado verde, entretanto também compreendo a dor que sentes, pois eu compartilhei desse mesmo misto de empatia pela alegria do próximo e da dor de não ser eu também andando de mãos dadas.

Quando o teu dia termina e encaras as luzes noturnas da cidade em uma cansativa volta para casa, eu entendo a tua pequeníssima esperança de que algo inusitado ainda aconteça, de que alguma peça seja movida para um lugar diferente e todas as partes quebradas da vida voltem a ter algum sentido, se é que algum dia realmente tiveram esse sentido.

Também senti a dor de cada amanhecer. Essa mesma dor de estar obrigatoriamente continuando cada uma das atribuições diárias e, no meio disso, entender que nenhuma delas importa, porque o que é importante nunca foi físico, e tu sempre soubeste disso, já que repetidamente reforçaste esse fato ao tentar estar próximo não de lugares e itens suntuosos, mas dos incontáveis tons de verde das plantas, do azul do céu e da vida dos animais. Eu senti o vazio que tu sentes em não conseguir convencer ninguém daquilo que realmente é belo e também deixei rolar pelo meu rosto as mesmas lágrimas quentes e inconvenientes que acabaram por denunciar mais de uma vez a minha e a tua débil gana pela não existência.

Apenas continue. Corra mais riscos se te for confortável. Fique vivo e mantenha o teu coração bom e honesto com todos, mesmo que não exista nenhuma reciprocidade nisso no momento atual. Não tenhas medo de ser quem és até nos dias mais solitários, pois a certeza de que existe amor no mundo é o próprio amor que tu carregas, assim como o amor que observas diariamente. Sim, ele é real, eu garanto que é real, porque agora eu vivo o inacreditável.

O amor dissipará todo o mal. Por amor viveria novamente cada instante de tudo o que me trouxe até aqui, passaria novamente por todas as tempestades e caminhos lamacentos, me afogaria em todas as imensas enxurradas e me colocaria novamente em pé, já fraca, para ser esmagada pelo caos. No final de tudo, depois das trevas, haverá uma grande luz.

Eu e ele estamos em um campo infinito de margaridas, em que a quantidade de cada pétala igualmente infinita não é capaz de representar nem um terço do amor que sinto. Todas as peças realmente se encaixam no final desse quebra-cabeça dificílimo e, por fim, há a certeza de que nada nunca foi tão real e precioso em todo o universo.

Eu sei que é ele. Ele sabe que sou eu.

Ouso dizer que Platão estava certo em afirmar que as almas gêmeas, quando se encontram realmente, acabam por aumentar suas forças por estarem juntas, podendo até mesmo escalar o céu.

Olhos melancólicos, continuem a procurar a luz e, quando a encontrarem, lembrem-se do passado tanto para serem gratos quanto para aprenderem com ele.

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15 de março de 2024

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Caos e borboletas

    Feridas lambidas, cicatrizes expostas, lama seca agora já transformada em pó, borboletas saindo novamente de seus casulos, muita água, muito querer, nenhuma flor. 
    Como caminhar quando existem diversos caminhos, mas nenhuma noção de direção? Como fingir não ter medo quando a realidade bate na porta anunciando que já não há o mesmo tempo e que as coisas não irão acontecer da mesma maneira? A menina continua, mas não possui nenhuma bússola e são poucos os dias em que é possível enxergar o céu. Durante a noite, sempre existe a possibilidade de uma grande enxurrada, ocasionada por motivos diferentes dos iniciais, que ninguém conhece porque ela prefere a ilusão e a viciante excitação do engano ao alinhamento de quereres. 
    De certa forma, é bastante provável que o caos tenha se tornado um amigo, à moda daquilo que espera-se de um amigo de longa data, que nos conhece só de olhar e que não precisamos nos alongar em explicações complexas para sermos entendidos, bastando um café e algumas músicas em um sábado qualquer para que todo o sentimento se exponha sem grandes esforços. 
    A menina aperta a mão do caos em sinal de cumprimento e o convida para entrar e conversar, misturando todos os sabores e sensações, sentindo com uma intensidade diferente e estranhamente maior e mais sufocante todas as vontades e todos os delírios, todos os medos, os pensamentos intrusivos, as paixões sem cabimento e as emoções sufocadas.
    A menina que, ironicamente, sempre preferiu um mundo claro, agora apega-se ao caos. Ele, como moeda de troca, afirma ser o seu amigo mais profundo e mais antigo, tentando convencer a menina a apostar na euforia do que é platônico, a acreditar que está tudo bem vincular com um grande emaranhado de linhas velhas o passado e o futuro e a apostar tudo o que se é na vantagem da loucura. Tratando-se de alguém louco, às vezes é preferível não possuir algumas experiências. É tarde, agora ela já voou muito perto do sol.
    Para a menina, sentir o caos é como sentir um tecido muito longo nos enrolando devagarinho, começando pelos pés. O tecido é áspero, quente e de um vermelho muito vivo, de onde não é possível se desvencilhar. Ele incomoda porque não conseguimos afastá-lo e, antes mesmo de qualquer possibilidade de defesa, estamos atados até o pescoço com várias voltas de um lençol escarlate. No fim, nossa fragilidade é a principal culpada. No fim, não nos conhecemos mais porque não conseguimos acompanhar nossos limites.

    Eu não sei quando começou. Não sei se foi o cheiro, a sensação de ser percebida, a procura, a identificação no mesmo nervosismo e no medo de ser sozinho no desconhecido ou simplesmente a própria montanha russa em que estamos, porque a vista lá do alto é sempre fascinante e o pânico da descida ainda me emociona e faz eu querer mais.


    Nada disso importa de verdade, é só caos. É a poeira nos olhos por causa do vento. Vai passar.

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